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SENHORITA DE CHILLY
Lê-se no jornal Petite Presse de 11 de fevereiro de 1869:
O Sr. de Chilly, o simpático diretor do Odéon, tão cruelmente provado pela morte quase fulminante de sua filha única, está ameaçado por uma nova dor. Sua sobrinha, Srta. Artus,filha do antigo maestro do Ambigu-Comique, está neste momento, por assim dizer, à beira do túmulo. A propósito, o Figaro relata esta triste e comovente história:

“Agonizante, a Srta. de Chilly deu um pequeno anel a esta prima, cuja vida está hoje tão cruelmente ameaçada, e lhe disse: – Toma-o, tu mo restituirás.

“Teriam estas palavras ferido a imaginação da pobre menina? Eram a expressão desta dupla vista, atribuída à morte? A verdade é que, alguns dias após os funerais da Srta. de Chilly, sua jovem prima ficava doente.”

“O que o Figaro não diz é que, em seus últimos momentos, a pobre morta, que se agarrava à vida com toda a energia de seus belos dezoito anos, gritava de seu leito de dor à sua prima, que se desfazia em lágrimas num canto do quarto, teatro de sua agonia: – Não, não quero morrer! não quero ir só! virás comigo! eu te espero! eu te espero! não te casarás!

“Que espetáculo e que angústias para essa infortunada Srta. Artus, cujos esponsais se preparavam no momento mesmo em que a Srta. de Chilly se acamava para não mais se erguer!” Sim, certamente estas palavras são a expressão da dupla vista atribuída à morte, e cujos exemplos não são raros. Quantas pessoas tiveram pressentimentos desse gênero antes de morrer! Dir-se-á que representam uma comédia? Que os niilistas expliquem esses fenômenos, se puderem! Se a inteligência não fosse senão uma propriedade da matéria, e devesse extinguir-se com esta, como explicar a recrudescência da atividade dessa mesma inteligência, as faculdades novas, por vezes transcendentes, que muitas vezes se manifestam no momento mesmo em que o organismo se dissolve, em que o último suspiro vai exalar-se? Isto não prova senão que algo sobrevive ao corpo? Já foi dito centenas de vezes: a alma independente se manifesta a cada instante sob mil formas e em condições de tal modo evidentes, que é preciso fechar voluntariamente os olhos para não ver.

APARIÇÃO DE UM FILHO VIVO À SUA MÃE

O fato seguinte é relatado por um jornal de Medicina de Londres e reproduzido pelo Journal de Rouen, de 22 de dezembro de 1868:

“Na semana passada o Sr. Samuel W..., um dos principais empregados do Banco, deixou de comparecer a um sarau para o qual tinha sido convidado com a esposa, porque se achava muito indisposto. Chegou em casa com um febrão violento. Procuraram o médico, mas este tinha sido chamado a uma cidade próxima e só voltaria tarde da noite.

“A Sra. Samuel decidiu esperar o médico à cabeceira do marido. Embora vitimado por uma febre ardente, o doente dormia tranqüilamente. Um pouco tranqüilizada e vendo que seu marido não sofria, a Sra. Samuel não lutou contra o sono, e por sua vez adormeceu.

“Pelas três horas, ouviu tocar a campainha da porta principal. Deixou a poltrona precipitadamente, tomou um castiçal e desceu ao salão.

“Lá esperava ver entrar o médico. A porta do salão abriu-se, mas, em vez do doutor, ela viu entrar seu filho Eduardo, um rapaz de doze anos, que estudava num colégio perto de Windsor. Estava muito pálido e tinha a cabeça envolta em larga faixa branca.

– “Esperavas o médico para o papai, não? perguntou ele abraçando a mãe. Mas papai está melhor; não é nada mesmo; amanhã se levantará. Sou eu que preciso de um bom médico. Trata de chamá-lo imediatamente, porque o do colégio não entende muito da coisa...

“Tomada de medo, a Sra. Samuel teve forças para tocar a sineta. Chegou a camareira. Encontrou a patroa no meio do salão, imóvel, com o castiçal na mão. O ruído de sua voz despertou a Sra. Samuel. Ela tinha sido joguete de uma visão, de um sonho,chamemos como quisermos. Lembrava-se de tudo e repetiu à camareira o que tinha julgado ouvir. Depois exclamou chorando: ‘Deve ter acontecido uma desgraça a meu filho!’

“Chegou o médico tão esperado. Examinou o Sr.Samuel. A febre quase tinha desaparecido; garantiu que não passava de uma febre nervosa, que seguia o seu curso e acabava em algumas horas.

“Depois destas palavras tranqüilizadoras, a mãe narrou ao médico o que lhe havia acontecido uma hora antes. O profissional – por incredulidade ou talvez por vontade de ir repousar – aconselhou a Sra. Samuel a não dar importância a esses fantasmas. Contudo, teve que ceder às rogativas, às angústias da mãe e acompanhá-la a Windsor. Ao romper do sol chegaram ao colégio. A Sra. Samuel pediu notícias de seu filho; responderam que estava na enfermaria desde a véspera. O coração da pobre mãe apertou-se; o doutor ficou pensativo.

“Em suma, visitaram o menino. Este havia sofrido um grande ferimento na fronte, brincando no jardim. Tinham-lhe prestado os primeiros socorros e, embora mal feito o curativo, a ferida nada tinha de perigosa.

“Eis o fato em todos os seus detalhes; nós o obtivemos de pessoas dignas de fé. Dupla vista ou sonho, deve sempre ser considerado como um fato ordinário.”

Como se vê, a idéia da dupla vista ganha terreno. Ela se acredita fora do Espiritismo, como a pluralidade das existências, o perispírito, etc., tanto é verdade que o Espiritismo chega por mil caminhos e se implanta sob todas as formas, pelos próprios cuidados dos que não o querem.

A possibilidade do fato acima é evidente e seria supérfluo discuti-la. É um sonho ou efeito da dupla vista? A Sra. Samuel dormia e, ao despertar, lembra-se do que viu; era, pois, um sonho; mas um sonho que traz a imagem de uma atualidade tão precisa, e que é verificada quase imediatamente, não é um produto da imaginação: é uma visão muito real. Há, ao mesmo tempo, dupla vista, ou visão espiritual, porque é bem certo que não foi com os olhos do corpo que a mãe viu o seu filho. De um lado e de outro houve desprendimento da alma; foi a alma da mãe que foi para o filho, ou a do filho que veio para a mãe? As circunstâncias tornam este último caso mais provável, porque na outra hipótese a mãe teria visto o filho na enfermaria.

Alguém que não conhece o Espiritismo senão muito superficialmente, mas admite perfeitamente a possibilidade de certas manifestações, perguntava como é que o filho, que estava em seu leito, pudera apresentar-se à mãe com as suas roupas. “Concebo, dizia ele, a aparição pelo fato do desprendimento da alma; mas não compreenderia que objetos puramente materiais, como roupas, tenham a propriedade de transportar para longe uma parte quintessenciada de sua substância, o que suporia uma vontade.”

Respondemos-lhe que as roupas, tanto quanto o corpo material do jovem ficaram em seu lugar. Após breve explicação sobre o fenômeno das criações fluídicas, acrescentamos: O Espírito do jovem apresentou-se em casa de sua mãe com seu corpo fluídico ou perispiritual. Sem ter tido o desígnio premeditado de vestir-se com suas roupas, sem ter feito este raciocínio: “Minhas roupas de pano ali estão; não posso vesti-las; é preciso, pois, que eu fabrique roupas fluídicas que terão a sua aparência”, bastou-lhe pensar em sua roupa habitual, na que teria usado nas circunstâncias ordinárias, para que esse pensamento desse ao seu perispírito as aparências dessa mesma roupa. Pela mesma razão teria podido apresentar-se com a roupa de dormir, se tal tivesse sido o seu pensamento. Para ele essa aparência se tornara uma espécie de realidade; tinha apenas uma imperfeita consciência de seu estado fluídico e, assim como certos Espíritos ainda se julgam neste mundo, ele julgava vir à casa da mãe em carne e osso, pois a beija como de costume.

As formas exteriores que revestem os Espíritos que se tornam visíveis são, pois, verdadeiras criações fluídicas, muitas vezes inconscientes. A roupa, os sinais particulares, os ferimentos,os defeitos do corpo, os objetos que usa, são o reflexo de seu próprio pensamento no envoltório perispiritual.

– Mas, então, diz o nosso nobre interlocutor, é toda uma ordem de idéias novas; há nisso todo um mundo, e esse mundo está em nosso meio; muitas coisas se explicam; as relações entre os vivos e os mortos se compreendem. – Sem a menor dúvida; e é ao conhecimento desse mundo, que nos interessa por tantos motivos, que conduz o Espiritismo. Esse mundo se revela por uma imensidade de fatos, que são desprezados por não se compreender a sua causa.

UM TESTAMENTO NOS ESTADOS UNIDOS

“No Estado do Maine, nos Estados Unidos, uma senhora pleiteava a nulidade de um testamento de sua mãe. Dizia que, membro de uma sociedade espírita, sua mãe escrevera suas últimas vontades sob o ditado de uma mesa girante.

“O juiz declarou que a lei não proibia consultas às mesas girantes, e as cláusulas do testamento foram mantidas.”

Ainda não chegamos a tanto na Europa. Por isso, o jornal francês que relata o fato o fez preceder desta exclamação: São fortes esses americanos! Entenda-se: São bobos!

Pense o que pensar o autor desta reflexão crítica, esses americanos poderão, sobre certos pontos, servir de exemplo à velha Europa, quando esta ainda se arrasta por tanto tempo na rotina dos velhos preconceitos. O movimento progressivo da Humanidade partiu do Oriente e pouco a pouco se propagou para o Ocidente; já teria transposto o Atlântico e plantado sua bandeira no novo continente, deixando a Europa na retaguarda, como a Europa deixou a Índia? É uma lei e o ciclo do progresso já teria dado várias vezes a volta ao mundo? O fato seguinte poderia fazêlo supor.

EMANCIPAÇÃO DAS MULHERES NOS ESTADOS UNIDOS

Escrevem de Yankton, cidade de Dakota (Estados Unidos) que a Assembléia Legislativa desse território acaba de adotar, por grande maioria, um projeto de lei do Sr. Enos Stutsman, que concede às mulheres o direito de sufrágio e de elegibilidade. (Siècle do dia 15 de janeiro de 1869.)

Quarta-feira, 29 de julho, a Sra. Alexandrine Bris prestou, perante a Faculdade de Ciências de Paris, um exame de bacharelado em ciências; foi recebida com quatro bolas brancas,sucesso raro, que lhe valeu felicitações por parte do presidente, ratificadas por aclamações de toda a assistência.

O Temps assegura que a Sra. Bris deve inscrever-se na Faculdade de Medicina, visando o doutorado. (Grande Moniteur do dia 6 de agosto de 1868.)

Disseram-nos que a Sra. Bris é americana. Conhecemos duas senhoritas de Nova Iorque, irmãs da Srta. B..., membro da Sociedade Espírita de Paris, que têm diploma de doutor e exercem a Medicina exclusivamente para mulheres e crianças. Ainda não chegamos a este ponto.

MISS NICHOL, MÉDIUM DE TRANSPORTE

Nestes últimos dias, o Hotel dos Dois Mundos, da rua d’Antin, foi teatro das sessões sobrenaturais dadas pela célebre médium Nichol, apenas em presença de alguns iniciados.

A Sra. Nichol vai a Roma submeter ao exame do Santo Padre a sua faculdade extraordinária, que consiste em fazer cair chuvas de flores. – É o que se chama um médium de transporte. (Jornal Paris, 15 de janeiro de 1869.)

A Sra. Nichol é de Londres, onde goza de certa reputação como médium. Assistimos a algumas de suas experiências, numa sessão íntima, há mais de um ano, e confessamos que nos deixaram muito a desejar. É verdade que somos sofrivelmente céptico em relação a certas manifestações, e um tanto exigente quanto às condições em que se produzem, não que ponhamos em dúvida a boa-fé dessa senhora: dizemos apenas que o que vimos não nos pareceu capaz de convencer os incrédulos.

Desejamos-lhe boa-sorte junto ao Santo Padre; por certo ela não terá dificuldade em convencê-lo da realidade dos fenômenos que hoje são abertamente confessados pelo clero. (Vide a obra intitulada: Os Espíritos e suas relações com o mundo visível, pelo abade Triboulet.)9 Mas duvidamos muito que ela consiga que reconhecem oficialmente que não são obras do diabo.

Roma é uma terra malsã para os médiuns que não fazem milagres segundo a Igreja. Lembra-se que em 1864 o Sr. Home, que ia a Roma, não para exercer a sua faculdade, mas unicamente para estudar escultura, viu-se forçado a ceder à injunção que lhe foi feita de deixar a cidade em vinte e quatro horas. (Revista de fevereiro de 1864.)
R.E. , março de 1869, p. 111